"Talvez o mal é que a gente pede amor o tempo todo.
Não se preocupa nunca em dar amor, sem esperar reciprocidade.
O meu livro está cheio de dedicatórias.
Quando eu escrevo alguma coisa que sai de dentro,
lá do fundo, dilacerada, e eu dedico a alguém,
eu dou tudo aquilo que eu vivi,
que eu senti, pra essa pessoa.
Muitas vezes eu não tive nada em troca.
Então eu me senti profundamente frustrado,
porque eu esperava receber alguma coisa.
A Magliani viveu quase dois anos, única e exclusivamente
em função de mim, e eu não percebi isso.
Eu só fui perceber que tinha amor quando fiquei longe dela.
Assim mesmo, percebi isso vagamente,
e voltei também vagamente por causa disso.
Eu perdi, eu tenho consciência absoluta de que eu perdi
a oportunidade de amor mais viva e mais profunda
que me foi oferecida até hoje.
E agora eu não posso fazer mais nada.
A gente tá se perdendo todos os dias,
pedindo pra pessoas erradas.
Mas o negócio é procurar.
A gente não se recusar a se entregar a
qualquer tipo de amor ou de entrega.
Eu nunca vi por que evitar a fossa.
Se a fossa veio é por ela tinha que vir.
O negócio é viver ela e tentar esgotar ela.
A gente, quando tenta analisar qualquer problema,
sempre vai aprofundando, aprofundando,
até que chega nesse fundo que é amor sempre.
Eu consigo me expressar muito melhor
escrevendo do que falando.
Tem um negócio que eu escrevi aqui nesse conto,
é um conto chamado "Apenas uma maçã":
porque é certo que as pessoas estão sempre crescendo e
se modificando, mas estando próximas,
uma vai adequando seu crescimento
e a sua modificação ao crescimento
e à modificação da outra.
Mas estando distantes, uma cresce e se
modifica num sentido e a outra noutro,
completamente diferente, distraídas que ficam
da necessidade de continuarem as mesmas uma para a outra.
Uma pessoa quando tá longe vive coisas que não
te comunica e tu aqui vive coisas que não comunica a ela.
Então vocês vão se distanciando e quando vocês se encontram,
vocês vão falar assim: oi, tudo bom e tal,
como é que vão as coisas?
E aí ele vai te falar por cima de tudo o que ele viveu e,
não sei, vai ser uma proximidade distante.
Não adianta, no momento que as pessoas se afastam
elas estão irremediavelmente perdidas uma pra outra.
A gente sempre procura um amor que dure o mais possível.
Procura, procura, talvez tu aches.
Pra mim é horrível eu aceitar o fato de que
eu tô em disponibilidade afetiva.
Esse espaço branco entre dois encontros pode
esmagar completamente uma pessoa.
Por isso eu acho que a gente se engana, às vezes.
Aparece uma pessoa qualquer e então tu vai
e inventa uma coisa que na realidade não é.
E tu vai vivendo aquilo,
porque não agüenta o fato de estar sozinho.
Eu me sinto superfeliz quando encontro
uma pessoa tão confusa quanto eu."
In: Caio 3D: o essencial da década de 1970.
Grande Caio
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